Na presente matéria será abordado o tratamento tributário, em âmbito federal, das entidades cooperativas de reciclagem, as quais são reguladas pela Lei n° 5.764/71.

As cooperativas de reciclagem podem efetuar as atividades de compra e venda de material para reciclagem, assim como prestação de serviços, no entanto, cabe destacar que estas atividades podem ser executadas, tanto entre ela e seus cooperados, como com terceiros, as quais terão tratativas tributárias distintas, conforme será apresentado a seguir.

Ato cooperativo e ato não cooperativo

Via de regra, as sociedades cooperativas são criadas para prestação de serviços aos seus associados, voltando suas operações ao atendimento das necessidades destes que exercem simultaneamente o papel de sócio e de cliente da cooperativa. (Lei n° 5.764/71, artigos 4° e 29 e Parecer Normativo CST n° 38/80, item 2.1).

Com isso, as sociedades cooperativas na execução de suas atividades podem tanto exercer os atos cooperativos quanto os não cooperativos a fim de manter os objetivos de sua existência, conforme prevê o artigo 86 da Lei n° 5.764/71.

Quando a cooperativa estiver diante deste cenário, para determinar a tributação esta deverá separar as receitas, custos e despesas referentes aos atos cooperativos e atos não cooperativos. (Lei n° 5.764/71, artigo 87 e Parecer Normativo CST n° 73/75).

Atos cooperativos

A Lei n° 5.764/71, que define a política nacional do cooperativismo, traz em seu artigo 79, que os atos cooperativos são aqueles praticados entre as cooperativas e seus associados, entre os associados e a cooperativa, ou ainda entre cooperativas, quando estas forem associadas, para execução dos seus objetivos sociais, destacando que este não contempla operações de mercado, tampouco contrato de compra e venda de mercadoria ou produto.

De forma mais elucidativa, o Perguntas e Respostas da Pessoa Jurídica 2020, Capítulo XVII – Sociedades Cooperativas, n° 11, elaborado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), esclareceu que nas cooperativas de trabalho, considera-se atos cooperativos:

a) os serviços prestados pelas cooperativas diretamente aos associados na organização e administração dos interesses comuns ligados à atividade profissional;

b) os serviços que buscam a captação de clientela;

c) a oferta pública ou particular dos serviços dos associados;

d) a cobrança e recebimento de honorários;

e) o registro, controle e distribuição periódica dos honorários recebidos;

f) a apuração e cobrança das despesas da sociedade, mediante rateio na proporção direta da fruição dos serviços pelos associados;

g) a cobertura de eventuais prejuízos com recursos provenientes do Fundo de Reserva e, supletivamente, mediante rateio, entre os associados, na razão direta dos serviços usufruídos.

Especificamente para as entidades cooperativas de reciclagem, não há legislação própria que esclareça dentro deste nicho de mercado, quais atividades seguramente podem ser compreendidas como atos cooperativos.

Todavia, a Receita Federal, trouxe entendimento por meio da Decisão SRF n° 144/2000 da 10ª Região Fiscal, orientando que tanto a oferta dos serviços de coleta prestados pelos associados, quanto a venda dos resíduos provenientes do lixo por eles reciclado, seriam considerados como atos cooperados, haja vista que o material coletado teria passado a ser de propriedade dos associados quando da coleta, tornando a cooperativa como agente na prestação de serviços aos associados, ofertando os serviços deles e depois vendendo seus produtos.

Salienta-se que este entendimento dado pela RFB não pode ser utilizado como base legal para todos os contribuintes, de modo que está sendo indicado nesta matéria apenas para melhor compreensão do posicionamento do fisco naquela ocasião.

Atos não cooperativos

Os atos não cooperativos não são conceituados na Lei n° 5.764/71, mas pela leitura do artigo 111, que ordena que as operações compreendidas nos artigos 85, 86 e 88 sejam tributadas pela cooperativa, pode-se tirar a conclusão de que se consideram como atos não cooperativos aqueles que importam em operação com terceiros não associados.

Os atos não cooperativos são aqueles que o legislador considera tolerável, pois mesmo que não atendam ao conceito do artigo 79, preenchem os objetivos sociais da entidade.

Portanto, compreender que a operação é útil ao associado e que não foge ao propósito da cooperativa, não induz o contribuinte a pensar que a receita é isenta, pois, os atos não cooperativos serão contabilizados separadamente e tributados regularmente. (Parecer Normativo CST n° 38/80, item 2.3.2).

Por meio do Perguntas e Respostas da Pessoa Jurídica 2020, Capítulo XVII – Sociedades Cooperativas, n° 12 e do Parecer Normativo CST n° 38/80, item 2.3.2, destacam-se alguns exemplos de atos não cooperativos:

a) o fornecimento de bens ou serviços a não associados, para atender aos objetivos sociais, ou seja, compreende-se como os mesmos bens ou serviços que a cooperativa ofereceria aos seus associados, mas que está estendendo a terceiros;

b) a participação em sociedades não cooperativas, públicas ou privadas, para atendimento de objetivos acessórios ou complementares; e

c) a contratação de bens e serviços de terceiros não associados.

Lucro presumido

Ainda que as cooperativas sejam compreendidas como integrantes do terceiro setor, já que visam lucro apenas para seus associados, destaca-se que pela legislação federal as mesmas não podem ser qualificadas como entidades imunes ou isentas, pois o termo citado na legislação é “não incidência” do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ). Diante disso, as cooperativas precisam adotar um regime de tributação.

Pela atividade e natureza jurídica, a entidade constituída na forma de cooperativa de reciclagem não está obrigada a tributar pelo lucro real. Deste modo, esta poderá optar pelo lucro presumido, desde que não incorra nas demais hipóteses de obrigatoriedade previstas no artigo 59 da Instrução Normativa RFB n° 1.700/2017 e no artigo 257 do RIR/2018, aprovado pelo Decreto n° 9.580/2018.

IRPJ

As cooperativas de reciclagem optantes pelo lucro presumido não terão a incidência do IRPJ nos atos cooperativos, motivo pelo qual precisam segregar as operações para que apliquem a tributação adequadamente. (RIR/2018, artigo 193, caput e § 3°).

No entanto, no que tange as receitas decorrentes dos atos não cooperativos haverá a incidência do IRPJ, seja esta receita decorrente de serviços prestados a não cooperativos ou de atividade decorrente de compra e venda de mercadorias com não cooperativos.

Na venda dos produtos que se qualifiquem como ato não cooperativo, mesmo que tal atividade esteja nos atos constitutivos da cooperativa, a tributação ocorrerá mediante a presunção de 8% sobre a receita bruta. (Instrução Normativa RFB n° 1.700/2017, artigos 33 e 215 e RIR/2018, artigos 194 e 591).

Já em relação à prestação de serviços para não associados, quando se tratarem de atos não cooperativos, serão tributados pelo IRPJ sob a presunção de 32%. (Instrução Normativa RFB n° 1.700/2017, artigos 33, § 1°, inciso IV e 215 e RIR/2018, artigos 194 e 592, inciso III)

Tanto na atividade comercial, quanto na prestação de serviços relativas aos atos contabilizados como não cooperativos, após a presunção aplica-se a alíquota de 15% na tributação do IRPJ. (Instrução Normativa RFB n° 1.700/2017, artigos 29 e 215 e RIR/2018, artigo 623).

A parcela do lucro presumido que exceder R$ 20.000,00, multiplicados pelo número de meses do período de apuração, ou seja, quando a base de cálculo ultrapassar a R$ 60.000,00 no trimestre completo, será calculado ainda o adicional de 10% do IRPJ. (Instrução Normativa RFB n° 1.700/2017, artigo 29, § 1° e RIR/2018, artigo 225, parágrafo único)

CSLL

Assim como para o IRPJ, os atos cooperativos não serão tributados pela Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL). Todavia, diferentemente do IRPJ, a isenção das contribuições só passou a ser constar na legislação a partir do artigo 39 da Lei n° 10.865/2004.

Entretanto, os atos não cooperativos também sofrerão a tributação da CSLL, onde a presunção será determinada pela atividade que está sendo executada, sendo de 12% para a comercialização de produtos e, 32% sobre a prestação do serviço. Posteriormente, sobre a base de cálculo haverá a aplicação da alíquota de 9%. (Instrução Normativa RFB n° 1.700/2017, artigos 34, § 1° e 215)

Segundo o entendimento da Decisão SRF n° 144/2000, as cooperativas que recebem valores de terceiros (não cooperativos) em razão da comercialização de produtos e mercadorias ou, da prestação de serviços de seus associados e a eles repassa, considera-os como um ato cooperativo, e, portanto, passível de isenção da CSLL.

PIS/PASEP E COFINS

As cooperativas, em geral, não tem previsão de isenção ou não incidência das contribuições sociais, independentemente de ato cooperativo ou não cooperativo. Assim, as cooperativas de reciclagem serão tributadas pela Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) (Contribuição para o PIS/Pasep) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), nas seguintes situações:

a) sobre a folha de salários, onde incidirá apenas o PIS/Pasep; e

b) sobre o faturamento, onde incidirá o PIS/Pasep e a Cofins.

PIS/PASEP incidente sobre a folha de salários

A sociedade cooperativa, nos meses em que usar a exclusão prevista no artigo 291 da Instrução Normativa RFB n° 1.911/2019, além da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins sobre o faturamento, também estará sujeito a Contribuição para o PIS/Pasep incidente sobre a folha de salários. (Instrução Normativa RFB n° 1.911/2019, artigo 291, § 4°)

As exclusões previstas no artigo 291 da Instrução Normativa RFB n° 1.911/2019, que podem ser utilizadas para definir a base de cálculo das contribuições sobre o faturamento, são os valores das sobras apuradas na Demonstração do Resultado, destinados à constituição do Fundo de Reserva e do Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social (Fates), e ainda, os seguintes valores:

a) vendas canceladas;

b) devoluções de vendas;

c) descontos incondicionais concedidos;

d) reversões de provisões, que não representem ingresso de novas receitas;

e) recuperações de créditos baixados como perda, que não representem ingresso de novas receitas;

f) as receitas decorrentes da venda de bens do ativo não circulante, classificado como investimento, imobilizado ou intangível;

g) venda de bens classificados no ativo não circulante que tenha sido computada como receita;

h) receita reconhecida pela construção, recuperação, ampliação ou melhoramento da infraestrutura, cuja contrapartida seja ativo intangível representativo de direito de exploração, no caso de contratos de concessão de serviços públicos;

i) financeiras decorrentes do ajuste a valor presente referentes a receitas excluídas da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins.

A alíquota será de 1% sobre o valor da folha de salários. (Instrução Normativa RFB n° 1.911/2019, artigo 278 e Medida Provisória n° 2.158-35/2001, artigo 13, caput)

PIS/PASEP e COFINS incidentes sobre o faturamento

A Contribuição para o PIS/Pasep e a Cofins incidentes sobre o faturamento das cooperativas de reciclagem estarão sujeitas ao regime cumulativo, sendo as alíquotas básicas de 0,65% e 3%, respectivamente, conforme o artigo 4°, inciso IV da Lei n° 9.718/98. (Lei n° 10.637/2002, artigo 8°, inciso X e Lei n° 10.833/2003, artigo 10, inciso VI)

Porém, para definir a base de cálculo tributada da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, as sociedades cooperativas de reciclagem poderão descontar da receita bruta, as operações previstas no artigo 291 da Instrução Normativa RFB n° 1.911/2019.

Ainda, poderão descontar: (Instrução Normativa RFB n° 1.911/2019, artigo 291 e Medida Provisória n° 2.158-35/2001, artigo 15, incisos I a V)

a) os valores repassados aos associados, decorrentes da comercialização de produto por eles entreguem à cooperativa;

b) as receitas de venda de bens e mercadorias a associados;

c) as receitas decorrentes da prestação, aos associados, de serviços especializados, aplicáveis na atividade rural, relativos à assistência técnica, extensão rural, formação profissional e assemelhadas;

d) as receitas decorrentes do beneficiamento, armazenamento e industrialização de produção do associado;

e) as receitas financeiras decorrentes de repasse de empréstimos rurais contraídos junto a instituições financeiras, até o limite dos encargos a estes devidos.

Suspensão na venda de sucatas para adquirente do lucro real

A venda de desperdícios, resíduos ou aparas de plástico, de papel ou cartão, de vidro, de ferro ou aço, de cobre, de níquel, de alumínio, de chumbo, de zinco e de estanho, efetuadas pelas cooperativas de reciclagem podem estar sujeitas a suspensão da incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins quando:

a) estes produtos forem vendidos para um adquirente que esteja na condição de tributado pelo lucro real; e (Lei n° 11.196/2005, artigo 48).

b) os produtos comercializados pela cooperativa tenham a classificação fiscal prevista no caput do artigo 47 da Lei n° 11.196/2005.

Nota-se que para que haja a suspensão a compradora deve ser tributada pelo lucro real, sendo que as sucatas comercializadas pela cooperativa não se utilizam da suspensão em qualquer caso.